Nem tudo o que você não aprecia é ruim, nem tudo o que você aprecia é necessariamente bom
Dia
desses, enquanto aguardava minha vez de ser atendido, em uma fila de banco,
peguei-me questionando sobre o que seria música “boa”, de acordo com um pedaço
de conversa que ouvi entre dois rapazes que ocupavam a fileira de cadeiras à frente
da minha. “Brasileiro só valoriza música ruim”, disse o jovem de barba
falhada, “enchem as contas bancárias desses sub-mitos sem talento, enquanto os
cantores de verdade estão esquecidos nos barzinhos da vida”. Bom, de fato eu não sou da
turma dos pop-fãs, mas por outro lado fiquei um pouco confuso quanto aos
critérios de classificação que colocam certos fenômenos musicais no espaço da
'música ruim brasileira'. Fiquei indeciso quanto a tarefa de entender se música
boa, de acordo com o coleguinha desconhecido, é somente aquilo que gostamos ou faz
parte da turma “alternativa”, mais voltada para as composições intimistas e de
grupos “intelectualizados”, se é que esse termo já não é pauta pra outra
discussão. Concordo que existem bandas de uma música só, existem cantores de temporada,
existem cantores que não entendem que seu lugar de trabalho termina no espaço
reservado aos compositores, existem artistas que são tão atores que convencem
como cantores, mas não são desses que estou falando, estou falando daqueles que
possuem uma história, boas ou ruins, que conseguiram entrar pro seleto grupo
dos milionários do país, cantando algo que eu goste ou não, à partir de uma
trajetória pessoal, e por mérito natural, baseado no interesse geral de
determinada massa na continuidade de seu trabalho.
Pois
bem, desvencilhando-me um pouco da música, e deixando de molho o cinema, e as
artes plásticas, que também são temas bastante questionáveis a respeito de
gostos, e já me atendo à literatura, que é local onde me sinto mais confortável, uso os
critérios anteriores para tentar entender o seguinte: Todo o texto que não está
inserido no contexto daqueles que se sentem abraçados pela poesia lispectoriana
ou a prosa kafkiana, está automaticamente classificado como literatura ruim?
Qual o grau de conhecimento intelectual que fornece a alguém o aval para
subjugar uma fã alucinada do texto apimentado, digamos assim, da trilogia 50
Tons de Cinza? Há quem afirme que por trás de pseudônimos inocentes que
assinavam os famosos livretos com romances femininos de bancas de revistas,
sucesso nas décadas passadas, se escondem grandes escritores conhecidos. E o
texto cartunista da cultura dos gibis? Ah, lembrei, aí já é universo geek, e, para esses mesmos apreciadores
literários, estar na tribo dos nerds
te dá uma licença para adentrar no seleto grupo dos humanos inteligentes, vai
vendo. “Oh, mas não me arrepiou, nem me trouxe reflexões existenciais", e por
acaso havia alguma referência na orelha do livro mencionando a possibilidade do
arrepio? E porque não pensar que o problema não estivesse no texto, e sim no
leitor? Já que, às vezes, determinada pessoa não era o leitor certo para tal obra? Julgar
um autor baseado em suas necessidades pessoais, de certa forma, é auto sabotagem,
pois o tal leitor “refinado” coloca-se num pedestal de soberania parcialmente
inadequado ao universo plural em que vivemos. Não conheço ninguém que adorou
cem por cento das leituras acadêmicas, ainda assim continua vivo e conseguiu se
formar com boas notas, a grande diferença é que na faculdade ele não leu por opção,
leu por obrigação, e literatura contemporânea, geralmente, a gente lê por
prazer mesmo. Não gostou, passa pro coleguinha que gosta, se organizar direitinho
todo mundo lê.
Acontece
que música e leitura popular podem até não andarem de mãos dadas, mas certamente
serão sempre mais acessíveis no que diz respeito ao seu conteúdo, e isso não
diminui nem exalta ninguém por optar por elas. Ouvi alguém dizer recentemente
que os melhores autores do país estão escrevendo telenovelas, e embora ache uma
opinião bastante radical, quem sou eu pra discordar, suponho não ser uma tarefa
fácil prender a atenção de telespectadores cada dia mais exigentes, durante seis
a oito meses, contando uma história que poderia ser resumida em duas semanas,
mas ainda assim existem os que crucificam as telenovelas, abominando seu
formato, sem reconhecerem a multiplicidade de artistas e profissionais de
vários gêneros inseridos naquele processo, daí pra rebaixarem o público desse
tipo de enredo à leitores medianos é só questão de um intervalo comercial.
Afinal de contas, se o enredo envolvido numa telenovela não se insere no que
ele considera boa leitura, majoritariamente será considerado má literatura,
entretenimento de qualidade, então, torna-se apenas talk-shows sobre a origem da Bossa Nova e documentários à respeito da
essência do ser ou sua habilidade para interpretar uma pintura onde, para a
grande maioria, seria apenas um quadro branco com um pingo de tinta vermelha no
canto direito lateral da tela, para outros uma imensidão de gritos ecoando de
uma lágrima de sangue, então tá.
Prezar
por trabalhar para o grande público nunca foi tarefa fácil, inclusive exige
talento e vocação, por mais que pareça o contrário, escrever, cantar,
documentar, animar, pintar, de formas variadas, são formas de empreender, e
empreender não é pra quem segue fórmulas prontas, não importa se suas
referências virão de Stephenie Meyer ou Charles Bukovski, o que importa é que
exista originalidade e competência para segurar o público, e quanto maior o
público, maiores as responsabilidades. Alguns possuem tendência natural ao
popular, outros ao menos acessível, ao de difícil interpretação, ao de público
restrito, ainda assim em nenhum projeto genético será descoberto uma classe
superior dividida pelo mundo por conta de gostos específicos ou artísticos. Eu
particularmente nasci pro acessível, nasci pros sitcoms, pra novela das seis, pra sessão da tarde, nasci pro povão,
e cá entre nós, se o universo fosse uma escola de cinema, eu fugiria sem culpa
de todas as aulas de Lars Von Trier.
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