Precisamos falar sobre o Setembro Amarelo


Não sei se andei me matriculando na escola de problematizadores e não percebi, ou se determinadas características rabugentas minhas fazem parte do excesso de bagagem adquiridas ao longo de experiências ruins proporcionadas pelas vielas de nossas vidas vida, mas o fato é que, talvez eu esteja me tornando repetitivo em determinados assuntos, o que de certa forma não é tão ruim, porque à depender do assunto, ser repetitivo talvez faça parte da dialética do tomar uma luta para si, do abraçar uma causa, do encontrar um nicho social para o qual eu posso trazer alguma contribuição positiva. Nos últimos dias temos visto inúmeras postagens acerca de uma campanha nomeada de Setembro Amarelo, que diz ter como conceito a ideia de trazer à sociedade a importância de se entender o portador da depressão e buscar alternativas para ajudá-lo, e isso é maravilhoso, no entanto, é importante frisar que  não existe romantização da depressão, e é preocupante os caminhos que certas campanhas tomam, uma vez que geralmente elas caminham para a banalização da causa e tornam obsoletos problemas preocupantemente necessitados de atenção esclarecedora, e de repente todo mundo se sente na condição de especialista no assunto.

Em primeiro lugar, é importante entender que: nem todo depressivo sabe que tem a doença, nem todo depressivo está no estado “crítico” da doença, nem todo depressivo está trancado dentro do quarto por semanas, nem todo depressivo compartilha com os amigos que tem a doença, nem todo depressivo aceita que está com a doença, nem todo depressivo entende que existe um preconceito social imenso contra as doenças da mente, e que ele não precisa se envergonhar por isso, nem todo depressivo entende que certas pessoas tem uma facilidade maior em lidar com certas situações e que ele não pode ficar se depreciando com base em reflexos alheios, porque cada um tem um histórico diferente, e cada um responde da forma como a vida o preparou para responder, nem todo depressivo entende que as pessoas ao seu redor nem sempre vão estar sensíveis à sua situação, e nem por isso ele tem que fingir ser forte para não decepcioná-las, nem todo depressivo encontra na primeira tentativa um tratamento adequado ao seu problema, nem todo depressivo tem condições financeiras de pagar pelo tratamento de sua doença, nem todo depressivo entende que é necessário existir uma conexão entre ele e o especialista que irá cuidá-lo, e que se o mesmo não identificar a melhor forma de trabalhar isso, ele estará fadado a acreditar que não existe solução para sua causa, cada paciente é um universo, e os especialistas precisam entender que não estão lidando com bactérias tratáveis com antibióticos e sim com agentes mentais que podem ter sido introduzidos em qualquer fase da vida do paciente, e para tanto, precisará de uma visão exclusivamente única e não de um tratamento tabelado proposto em pesquisas científicas.


Em segundo lugar, é preciso entender que Setembro Amarelo, assim como Outubro Rosa, trata-se de lidar com a questão da empatia, trata-se de lidar com a noção de que você está sensível à situação do outro e aberto a tentar entender o sofrimento daquele doente mesmo nunca tendo passado por isso, se trata de oferecer apoio, não de sentir o mesmo, porque a não ser que você já tenha estado no mesmo lugar que ele, você nunca vai entender. Sensibilidade requer conhecimento e renúncia, e se você não é capaz de abrir mão do seu eu, não tente falar sobre o que não está ao seu alcance. Por mais que você tenha crescido ouvindo que margarina é bom pra queimadura, você sabe que nunca funcionou de verdade, então não tente curar a insônia de um depressivo oferecendo chá de erva doce, não funciona, o problema é intenso demais, a dor é sensação é indescritível, não tente ser um expert de facebook só porque acha bonitinho a campanha e você precisa reforçar seu ego recebendo likes, ajudar um depressivo é mais difícil do que você imagina, inclusive a coisa mais abominável pra quem tem a doença, é receber textinho de auto ajuda, isso só deixa ele ainda mais frustrado por não poder levar adiante aquelas “iniciativas tabeladas”. Tem gente que acha que ajudou muito falando coisas do tipo: “você precisa sair de casa, porque você não vai ao cinema ou pega uma praia”. Na boa, qual a novidade disso? Quer ajudar mesmo? Então inverta as coisas, ao invés de falar “você deveria sair de casa” fala o seguinte: “estou abrindo mão de minhas prioridades de domingo pra sair contigo, se arrume que hoje te levarei à praia”. Você está disposto a fazer isso? Está disposto a sair de sua zona de conforto para ir dizer pessoalmente, olhando nos olhos do teu amigo o quanto ele é lindo e importante pra você e pro mundo? Você está disposto a renunciar algo pelo bem de alguém? Se não está, perdoe-me, mas você não está apto a cuidar de um depressivo. Você está disposto a assumir a responsabilidade de pedir que um depressivo coloque teu número nas prioridades e te ligue toda vez que pensar em suicídio? Você entende o que de fato leva alguém ao suicídio? Você compraria briga com alguém caso ouvisse algum idiota dizendo que depressão é frescura? Não? Então, mais uma vez, perdõe-me, mas você não está apto a cuidar de um depressivo, e não se sinta envergonhado por isso, a gente só pode oferecer o que tem, e existem outras causas e outros planos para os quais você pode oferecer suporte, existe uma infinidade de opções para a qual você pode oferecer seu apoio, causas tão humanitárias quanto esta.

Os caminhos da cura são os mais diversos, tem gente que encontra na fé, tem gente que encontra num novo relacionamento, tem gente que encontra no nascimento de um filho, tem gente que encontra abraçando uma causa, tem gente que encontra na arte, tem gente que encontra no esporte, tem gente que encontra adotando um bichinho, mas o fato é que, você precisa entender que não vai ser da noite pro dia, nem depois de uma corrida na praia, ou de um banho de mar, precisa saber que requer paciência e muita sensibilidade, e, principalmente, qualquer tipo de pressão pode desencadear sentimentos ainda piores, mas que se você estiver disposto a assumir os riscos, a ajuda será bem vinda, não existe maior prova de amor do que se colocar à disposição para oferecer as mãos à quem está à beira de cair num abismo, na tentativa de salvá-lo, mas se você não fizer do jeito certo às chances de empurrá-lo para o lado sem retorno serão ainda maiores.

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